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Idade Média: "Idade das Trevas"?

 A Idade Média foi por muito tempo entendida como uma “Idade das Trevas”. Os renascentistas que procuravam justamente retornar às raízes greco-romanas, fazê-las “renascerem”, viram no período medieval apenas uma época de transição obscura e sem desenvolvimento científico. Os iluministas pretendiam trazer “luz” à mente do homem e à sociedade como um todo. Acreditavam que a Religião, o Estado Monárquico, a Nobreza e o Campesinato eram coisas ultrapassadas e uma herança ruim do período medieval. Apenas traziam “trevas” para o homem. Com o passar do tempo, o homem moderno começou a encarar o medievo com outros olhos: agora diante de cenários pertubadores de guerras do século passado, a vida dos contos de fada entre o cavaleiro e a princesa começaram a ser mais atraentes. Numa perspectiva equilibrada entre os castelos e a Inquisição, entre a vida cavelheiresca e a do camponês, historiadores têm-se debruçado sobre essa rica história medieval com suas “luzes” e “trevas” em contraste.

Os séculos V a XV são considerados como uma Idade das Trevas por muitos estudiosos devido ao um controle científico por parte da Igreja Católica, monopolizando-o para os fins que desejava. O mesmo acontecia com a alfabetização e a leitura: a maior parte dos livros e de pessoas alfabetizadas se encontravam nos mosteiros e nas ordens eclesiásticas mais elevadas. Devido também que até o começo dos burgos, a distância socioeconômica entre o camponês e o nobre era muito grande: o ambiente em que um homem medieval nascesse poderia-lhe determinar toda a vida. Assim, a grande descentralização de poder entre os reinos, a constante instabilidade  fazia com que houvesse muitas guerras. A centralização do poder católico só diminuía o poder secular e monárquico, o que começaria a mudar nos fins da Baixa Idade Média.


Todavia, por mais que se digam diversos motivos que a Idade Média poderia ser conhecida como Idade das Trevas, isso só reduz exponencialmente a compreensão dessa época em sua totalidade e em seu cotidiano. Por isso, os seguintes motivos demonstram o porquê da Idade Média não poder ser chamada de Idade das Trevas: Primeiro, houve diversos avanços científicos que, embora estivessem sob o domínio católico representaram uma enorme contribuição para os dias de hoje como a Filosofia Medieval, as Leis de Mendel e a Biologia, a propagação e formação de corais e partituras na Música e as contribuições físicas e matemáticas de diversos pensadores. Segundo, a cultura medieval, as artes, a vida social e privada é tão rica de detalhes de representações e simbologias que olhar para elas apenas como parte de um período obscuro seria negligenciar toda uma memória social herdada do homem medieval. Terceiros, a maioria dos conceitos modernos que formamos são advindos de criações medievais. Quarto, o nosso olhar rotulador para a época medieval apenas demonstra como não conseguimos enxergar a nossa própria época contemporânea. Por que o homem medieval é obscurecido e nós é que temos o entendimento? Se somos tão sábios por que há ainda tantas pessoas morrendo de fome? Por que a causa de nossas guerras se dá muito mais por ideais econômicos do que pela honra medieval? Por que a tecnologia ao invés de trazer felicidade ao homem tem aumentado cada dia mais a lista de doenças adquiridas com o seu mau uso? É claro que houve progresso, acho que tivemos que aprender algo após mais de 500 anos do fim do medievo. Mas será que somos melhores do que os homens e mulheres medievais? Creio que não. Somos diferentes. E é com o olhar medieval e não com o contemporâneo que precisamos buscar ler a Idade Média.

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