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Os Povos do Mar e o Colapso da Idade do Bronze

Os Povos do mar é uma denominação recente aplicada por Emmanuel de Rougé1e por Gaston de Maspero2, sobre um grupo de povos diferentes que parecem ter efetuado um movimento migratório/invasor na direção oeste-leste na costa sul da Anatólia e, depois, infletido de norte para sul, chegando a atacar o Egito, mas sendo derrotados duas vezes, após sucessivas vitórias ao longo da costa cananeia. As fontes egípcias datadas do século XII e XIII a.C afirmam que esses povos eram provenientes das “ilhas que estão no meio do Grande Verde”.3 Esse “Grande Verde” é entendido comumente pelos hebreus e semitas como sendo o Mar Mediterrâneo, provavelmente se extendendo até o Mar Egeu. Porém, devido a pouca documentação e carência de informação, essa proposição tem sido refutada por Alessandra e por Claude Vandersleyen.4 Todavia, no extrato tirado da inscrição do 8° ano de Ramsés III, cerca de 1190 a.C, é citado alguns dos nomes que formavam essa “confederação”: Filisteus, Tjeker, Shekelesh, Denyen e Weshesh. Já em outros documentos são citados os nomes de Teresh, Sherden, Ekwesh, e Luka, este foi um povo que lutou junto com os Dardany ao lado dos hititas e os Sherden, possivelmente vindos da Sardenha, lutaram ao lado dos egípcios, anteriormente. Já os Shekelesh são associados a Sicilia e os Teresh aos futuros etruscos.5 

Cena presente na parede norte de Medinet Habu (Batalha do Delta - 1175 a.C.). 

Apesar desses “povos marinheiros” serem contemporãneos do fim de Micenas e do Império Hitita, o historiador Fernand Braudel (2001, pp.173-175) diz que a queda desses impérios foi muito mais devido à seca e às mudanças climáticas no Mediterrâneo do que por invasões estrangeiras. Em contrapartida, o pesquisador Geraldo Coelho Dias (1991, p.150), nos alerta que as “vastas destruições na zona do mar Egeu” foram “precedidas de tentativas de fortificação das muralhas em Micenas, Atenas e Tirinto”, algo que consideramos muito importante destacar. De acordo com esses autores parece realmente ter havido uma série de mudanças naturais e climáticas nesse período, gerando fome nas terras, o que possivelmente possa explicar as atitudes dos povos do mar através da sua “pirataria” em meio ao caos que seria aumentado com suas invasões, dando origem ao termo “Idade Obscura” a esse colapso da Idade do Bronze frente ao surgimento da Idade do Ferro. Essa época é também chamada na Grécia de Período Homérico (1050 – 800), na qual houve um abandono da escrita, uma desestruturação do mundo comercial e cultural até então conhecidos, e o desmoronamento das potências conhecidas, sendo sucedidas pelas imigrações dos Dórios, da Guerra de Troia e a reemergência das Cidades-estado depois de 1200 a. C. com o fortalecimento da cultura fenícia. 

Segundo a pesquisadora Adriana Anselmi Ramazzina (1993, p.262) “a situação politica e militar conseqüente à invasão dos povos do mar possibilitou o início de um período de independência” dado ao “vácuo de poder no Mediterrâneo Oriental” frente ao período de decadência do Egito, que, embora vitorioso, teve grandes dificuldades em manter seus protetorados políticos e econômicos na Ásia” (2001, p.182), culminando na expansão marítima fenícia, que após ter sofrido com as invasões dos povos do mar, não por acaso, apresentaram barcos muito próximos aos deles. 

O que talvez possamos elencar diante dessas poucas evidências que temos é que os filisteus se estabeleceram no sul de Canaã criando a conhecida pentápole filisteia de Ascalom, Asdode, Gaza, Gate e Ecrom. Já em Chipre, observam-se claros indícios de colapso e desaparecimento de importações micénicas nesse período. “Foram destruídos quase todos os centros micénicos, quer em terra quer nas ilhas, tendo aparecido um novo tipo de cerâmica pouco uniforme” (1991, p.151) e relacionada a temas marinhos. Até onde a destruição dos povos do mar pode ser considerada, se eles foram definitivamente os causadores da extinção de impérios e civilizações, ou se foram “apenas” piratas e mercenários, nós não sabemos ao certo. De quem descendiam, ainda é um mistério. Entretanto, há muitos apontamentos que as ilhas e as terras temeram diante de seus ataques, “nenhuma terra pôde aguentar diante de suas armas” (inscrição egípcia de 1190 a.C). O debate historiográfico e arqueológico está longe de acabar e por isso é necessário cada vez mais pesquisadores empenhados em conhecer a história e as origens desses povos.

Notas

1 Oeuvres Diverses IV, Paris, 1911, p.417-458 (artigo de 1867)

2 Histoire ancienne dês peuples de l’Orient Classique II, Paris,1897/1903

3 K. A. KITCHEN, Ramesside Inscriptions, V, 33, Oxford, 1968, pp. 4-6.

4 Alessandra NIBBI, The Sea Peoples: A Re-examination of Egyptian sources, Oxford,

1972; Cf. Claude VANDERSLEYEN, Le Dossier égyptien des Philistins, «The Land of Israel: Cross-Roads of Civilizations» Orientalia Lovaniensia Analecta, 19, 1985, pp. 39-54.

5 K. A. KITCHEN, o.e., IV, 3, 1972, 12; J. H. BREASTED, o.e., Ill, 602; J. B. PRITCHARD, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, 3.a ed., Princeton, 1969, pp. 262-263.

Referências

BRAUDEL, Fernand. Memórias do Mediterrâneo: pré-história e antiguidade. Lisboa: MultiNova, 2001, pp. 172-188.

DIAS, Geraldo Coelho. Os «povos do mar» e a «idade obscura» no Médio Oriente Antigo. Instituto Oriental da Universidade de Lisboa. Cadmo, 1991. 

KORMIKIARI, M. C. N. Expansão marítima e influência cultural fenícia no Mediterrâneo Centro Ocidental. Classica - Revista Brasileira de Estudos Clássicos, [S. l.], p. 261–268, 1993. Disponível em: https://revista.classica.org.br/classica/article/view/782. Acesso em: 18 set. 2021.

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