O livro Apologia da História ou o Ofício do Historiador foi feito durante a prisão do autor Marc Léopold Benjamim Bloch (1886 – 1944), portanto, sem uma vasta biblioteca para consultas e caracterizando a forma inacabada do livro, devido a morte do autor. Isso nos explica muitas coisas para uma total compreensão do livro. Marc Bloch, como é conhecido, foi um importante medievalista francês, fundador da Escola dos Annales em 1929, a qual tinha como proposta trazer novas perspectivas para o estudo da História e mudar sistematicamente a forma que a vemos, procurando criar uma Nova História. Bloch lutou na Primeira e Segunda Guerra Mundial e morreu fuzilado pela Gestapo por sua participação na Resistência de Lyon contra a invasão nazista na França. Seu livro pode ser considerado como um testamento de um historiador.
A diferença do conteúdo da História no decorrer do tempo
O estudo histórico mudou muito de conteúdo e foco no decorrer do tempo, sendo característico de sua época e das impressões do tempo em que é feito. Desse modo, a forma como o historiador escolhe o fazer histórico em um ponto de aplicação particular de um recorte da história acarreta ideologias e pensamentos próprios de sua época.
Definição do estudo histórico
A história tem como objeto de estudo não o passado em sua totalidade mas os homens, onde eles estiveram, o estudo histórico está também. A história serve, dentre muitas outras coisas que ela nos proporciona sem nem nos darmos conta, para entreter, para o conhecer melhor, para entender o mundo em que vivemos e termos as condições necessárias de atuar sobre ele.
Definição do tempo histórico
A história não é apenas uma ciência que estuda os homens, como a antropologia, mas os “homens no tempo.” O tempo é uma “realidade concreta e viva, submetida à irreversibilidade de seu impulso, o próprio plasma em que se engastam os fenômenos como o lugar de sua inteligibilidade”. O tempo histórico é um continuum e também uma perpétua mudança, dessa antítese advém os problemas da pesquisa histórica. Sua noção é construída historicamente.
O culto às origens e sua idolatria
O autor condena a busca desesperada pela origem dos fatos, a qual para ele é uma obsessão. Bloch acredita que um fenômeno nunca é explicado plenamente fora do seu momento. E ainda conclui que em muitos casos a busca desenfreada pelas origens é apenas um “avatar” de um julgamento que o historiador quer efetuar. Esta prática é tida como inimiga da verdadeira história.
A relação do passado e do presente
O presente se torna passado em um breve momento, logo, o historiador estuda em suma a vida. Enuncia assim seu método regressivo, no qual o passado é estudado pelo presente, indo “do mais ou do menos mal conhecido ao mais obscuro”, devido nossas preocupações presentes colorirem o nosso olhar pelo passado e informarem nossa busca por ele.
A análise documental
A observação histórica é uma análise documental, sendo os documentos entendidos não como a fonte verdadeira de todo o conhecimento, mas como vestígios de uma investigação, semelhante a um detetive que procura neles reconstruir o fato como se deu segundo suas interpretações.
Os tipos de documentos
Os testemunhos podem ser deixados de forma voluntária ou não. São ferramentas e ao mesmo tempo objeto de estudo do historiador. Ambos são válidos, os voluntários possuem um “enquadramento cronológico razoavelmente seguido” e os involuntários são as vezes melhores, por serem depositários de maior confiança, pois são indícios que o passado deixa, sem premeditações, cair ao longo da estrada. O historiador Júlio Aróstegui, citado no texto As fontes históricas no ensinar, produzir e aprender história: apontamentos e reflexões (AQUINO, Maurício de. RevistaEletrônica História e-História. Brasil, 2014, p.5) define fonte histórica como “material, instrumento ou ferramenta, símbolo ou discurso intelectual, que procede da criatividade humana, através do qual se pode inferir algo acerca de uma determinada situação social no tempo”. Devemos saber interrogar os documentos, fazê-los “falar”.
Como ocorre a transmissão dos testemunhos
“Reunir os documentos que estima necessários é uma das tarefas mais difíceis do historiador.” Eles podem ser encontrados em bibliotecas, arquivos, museus, repositórios bibliográficos e historiográficos de toda sorte. Tanto a preservação e a acessibilidade como a destruição e inacessibilidade dos documentos são fatores de estudo para o historiador. Quero salientar, com base no artigo citando no tópico anterior, precisamente na página 10, citando a historiadora e educadora portuguesa Maria Cândida Proença na sua Tipologia Documental, que existem inúmeras formas de documentos tanto escritos, seriais e pontuais, como não escritos, iconográficos, orais, sonoros e arquitetônicos.
O método crítico e sua história
A crítica metodológica é essencial, pois “nem todos os relatos são verídicos e os vestígios materiais, eles também, podem ser falsificados”. Em 1681, para Bloch, foi o ano da fundação da crítica de documentos com a publicação do De re diplomatica de Jean Mabillon. Depois de fazer os documentos ”falarem” através dos questionamentos, é necessário então compreendê-los.
A falsidade e a veracidade dos documentos
Muitos documentos apresentam embustes, mas não é por isso que iremos descartá-los, devemos descobrir os motivos que levaram a tal falsificação seja sobre o conteúdo da obra ou sobre o autor e data . “Acima de tudo, uma mentira enquanto tal é, a seu modo, um testemunho.” Devemos ter em mente que os testemunhos informam não sobre o que eles viram, mas “sobre o que, em sua época, era estimado natural ver.”
Princípios da observação histórica
Bloch estabelece postulados lógicos na investigação dos testemunhos, tais como o princípio da contradição, que “proíbe impiedosamente que um acontecimento possa ser e não ser ao mesmo tempo”, e o da similitude de hábitos e técnicas, que é uma ideia de que “em uma mesma geração de uma mesma sociedade reina uma similitude de hábitos e técnicas muito grande para permitir a qualquer indivíduo afastar-se sensivelmente da prática comum.” Todavia, não há uma receita mágica para o historiador desenvolver o seu trabalho, ele deve ser sensível ao seu próprio instinto mas não esquecer dos princípios racionais e metodológicos.
A ciência em contraposição ao julgamento
O cientista deve registrar, ou melhor, provocar o experimento que, “talvez inverterá suas mais caras teorias” . Depois de observar, deve explicar. Ao contrário do juiz que deve dar sua sentença, achar o culpado ou o inocente, o cientista se contenta em compreender o fenômeno e não julgá-lo. O professor de história não deve ser um juiz do passado mas seu intérprete.
O particular e o geral
Devemos, através da ciência, decompor o real apenas a fim de melhor observá-lo, não podemos excluir a generalidade do fato. Cada momento da história que estudamos, devemos analisá-lo particularmente, entretanto, não esquecendo que nesse momento havia modos de fala e de entendimento, deuses, formas de consumo e papéis políticos comuns a todos. “O perigo começa quando cada projetor pretende ver tudo sozinho; quando cada canto do saber é tomado por uma pátria.”
A importância da Linguagem
As ciências exatas possuem sua nomenclatura, bem-dizer invariável, todavia, com a história não é assim. A linguagem muda, embora os hábitos dos homens possam permanecerem os mesmos, ou ao contrário, há a mudança de fatos e os nomes permanecem os mesmos. Haja vista a palavra carro possuir diversos significados no tempo, como carruagens de batalha, carroças e automóveis modernos. Diante disso, o historiador tem em suas mãos um trabalho que deve ser feito de forma acurada ao nomear os seus objetos de análise. “Para resumir, o vocabulário dos documentos não é; a seu modo, nada mais que um testemunho: precioso, sem dúvida, entre todos; mas como todos os testemunhos, imperfeitos; portanto, sujeito à crítica.”
As divisões do tempo no decorrer da história
Devemos fixar balizas na história de forma que coincidam com os “principais pontos de inflexão da eterna mudança”. A precisão que devemos buscar não se limita a colocar um evento em um dia de um mês de um ano exato, pois muitas vezes não há como fazer isso e nem devemos nos frustrar por isso. A Revolução Industrial não começou em um dia preciso, mas sua precisão se encontra justamente em seu começo estar situado entre 1760, 1780, ou melhor dizendo “no final do século XVIII”. É um processo, pois a história é uma “ciência em obras”. Ela se divide em gerações comuns e em civilizações que duram mais, porém, o “tempo humano, em resumo, permanecerá sempre rebelde tanto à implacável uniformidade como ao seccionamento rígido do tempo do relógio”.
Conclusão
Um término interminável, uma conclusão inconclusa. É assim que o livro acaba, com um aviso: não devemos analisar os fatos com hipóteses já levantadas e partidos tomados. Devemos ser sinceros e honestos e termos o máximo de imparcialidade que conseguirmos, mesmo sabendo que no fundo a total imparcialidade é impossível. “Resumindo tudo, as causas, em história como em outros domínios não são postuladas. São buscadas.”
Muito bom! O conhecimento sobre Teoria de História é muito importante, e Marc Bloch deixou bons ensinamentos a respeito disso. Parabéns, está muito boa a resenha!
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