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Análise Crítica do livro "O que é História Cultural?" - Peter Burke

Peter Burke nasceu em Stanmore, Inglaterra, em 1937. Importante historiador na área da cultura, das ideias e na parte social, lecionou nas Universidades de Essex, Sussex, Princeton, Cambridge e São Paulo.

O livro O que é História Cultural? é um dos clássicos na historiografia contemporânea. Abordando a história da História Cultural, Peter Burke traça uma linha do tempo com as principais obras consagradas da historiografia cultural, seus autores, movimentos filosóficos e antropológicos e suas influências nos estudos culturais.

Tendo sido publicado em 2004, o livro é destinado principalmente a estudantes de história, historiadores e pessoas interessadas em conhecer mais da História Cultural. No início do novo milênio, Burke tentou traçar uma história dos métodos empregados pela historiografia nos estudos culturais e sociais até a virada do século, mas após a revisão das edições, ele mesmo pôde ampliar a sua coletânea e análise das obras até o ano de 2017 onde descreveu como a história cultural tem ganhado seus contornos atualmente.

Analisando primeiramente os clássicos da história cultural como os livros de Burckhardt e Huizinga, Burke descreve a importância da história da arte e também da sociologia como nos livros de Warburg, Weber e Elias. Com a disseminação desse novo tipo de fazer história, foram se desenvolvendo tradições específicas na Alemanha, Inglaterra, França e Estados Unidos, havendo uma crescente ênfase na história das ideias e dos símbolos. Crescendo o emprego da análise marxista e da ideia de cultura popular, novos trabalhos foram feitos como os de Hobsbawm e Thompson. Ao longo do tempo, as ideias iniciais foram postas em xeque e correntes debates foram feitos, sendo muito acrescidos pela antropologia histórica. Assim, uma Nova História Cultural começou a surgir. Os conceitos utilizados pelos antropólogos nas suas análises começaram a ser usados também nas análises históricas, principalmente os trabalhos de Lévi-Strauss e Geertz. Le Roy, Roche, Davis, Hunt, Ginzburg e Medick foram alguns dos principais nomes nessa transição marxista para a antropológica. Já numa perspectiva pós-colonial tivemos Said, Duby, Bynum, dentre muitos outros autores que contribuiram para formar a Nova História Cultural, como ficou conhecida no final da década de 1980. Além dos antropólogos, Burke destaca quatro pensadores diferentes que plantaram suas raízes na metodologia historiográfica como Bakhtin, Elias, Foucault e Bourdieu. Esses influenciaram muito o estudo das práticas, das representações, da cultura material e do corpo. Todavia, nas últimas décadas, muitos autores sentiram-se desconfortáveis com as ideias de representações puras e simples, e começaram a estudar a história com base em ideias construtivistas como Michel de Certeau, tomando as realidades não como dadas mas como inventadas, o que gerou diversos debates em torno da legitimidade de tradições, Estados e comunidades e identidades individuais. Todavia, ao mesmo tempo alguns limites foram apontados em relação ao construtivismo onde nem tudo está fixado mas também nem tudo é inventado. Essas contradições internas originaram diversas histórias culturais como a história cultural da política, das emoções, da violência, das percepções, do ambiente, do conhecimento e das ideias.

O livro, portanto, é importantíssimo no que tange a conhecer mais sobre a profissão do historiador e dos mais diversos métodos que ele pode utilizar. Ter conhecimento de diversas obras consagradas da historiografia cultural e estudar os movimentos filosóficos e antropológicos tornam o estudo das ações humanas no decorrer do tempo mais integral, justo e analítico.

Referência:

BURKE, P. O que é História cultural?. Rio de Janeiro: Zahar, 2021

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