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Introdução à Estética

A palavra Estética foi cunhada por Alexander Baumgarten (1714-1762) com base nos termos gregos aisthétikós (“que possui a faculdade de sentir”) e aisthésis (“sensação”). Todavia, muito tempo antes, a noção do “Belo” e da Arte já eram discutidas, remontando aos tempos da Antiguidade

Na Grécia Antiga, para Platão (348/‎347 – 428/‎427 a.C.), por exemplo, a arte imitava a realidade (mimese), e poderia produzir formas distorcidas de ideias perfeitas, logo apesar de ser inspirada divinamente, deveríamos acessar a beleza apenas através do intelecto, pois o belo no mundo sensível se assemelharia a noção de belo no mundo das ideias. Portanto, numa “cidade perfeita” não poderia haver poetas extramamente bons, apesar de todo o seu valor reconhecido, já que poderia induzir os jovens a prática de valores errados. “A poesia do homem sensato será sempre obscurecida pelo canto dos enlouquecidos” (Fedro, 245a-b). Como diz no seu livro A República: [...] se viesse à nossa cidade algum indivíduo dotado da habilidade de assumir várias formas e de imitar todas as coisas, e se propusesse a fazer uma demonstração pessoal com seu poema, nós o reverenciaríamos como a um ser sagrado admirável e divertido, mas lhe diríamos que em nossa cidade não há ninguém como ele nem é conveniente haver; e, depois de ungir-lhe a cabeça com mirra e de adorná-lo com fitas de lã, o poríamos no rumo de qualquer outra cidade. Para nosso uso, teremos de recorrer a um poeta ou contador de histórias mais austero e menos divertido, que corresponda aos nossos desígnios, só imite o estilo moderado e se restrinja na sua exposição a copiar os modelos que desde o início estabelecemos por lei [...]

Estátua grega de Laocoonte datada entre 27 a.C.-68 d.C.

Já Aristóteles (c. 384 – 322 a.C.) entendia que a verdade estava no mundo material e não no das ideias, colocando a arte, através da mimese, como um conhecimento/reconhecimento da realidade e não como uma cópia imperfeita dela, podendo até purificar nossos sentimentos, ideias e valores errados (catarse). 

Na Idade Média, alguns conceitos aristotélicos e platônicos serão postos na discussão teológica a respeito da arte. Agostinho de Hipona (354 – 430), por exemplo, via na arte um símbolo do significado da arte divina. Algo que lembra Platão e o mundo das ideias. Agostinho enxergava Deus como a Suma Beleza e o Sumo Artista simultaneamente, colocando um aspecto pessoal na discussão artística. À medida que o homem se aproxima do seu Criador pela via estética, ele redescobre a presença do divino em si e em cada aspecto da realidade.  "Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!" (Confissões, X, 27). 

Retrato de Santo Agostinho por Philippe de Champaigneséculo XVII

Enquanto isso, Tomás de Aquino (1225 – 1274) valorizava mais o mundo sensível com uma visão aristotélica. Para ele “a claridade (claritas), o esplendor, ontologicamente falando, assegura que algo belo seja assim considerado, mas é necessário que uma visão humana identifique essa claridade, converse com essa claridade" (Perissé, 2014). Nessa perspectiva cristã da estética, nós temos uma frase do escritor famoso C.S.Lewis (1898 – 1963) que demonstra como essa ideia permeia nossos pensamentos contemporaneamente: Quando são bem-sucedidos, creio que os artistas são os mais invejáveis dos homens: privilegiados como mortais a honrar a Deus como anjos e, por alguns poucos preciosos momentos, ver espírito e carne, trabalho e gozo, talento e adoração, o natural e o sobrenatural, todos fundidos numa unidade que deveria ter existido antes da queda.[1] 

Durante o Classicismo, a Estética ganhou contornos mais normativos, sendo a Beleza oriunda do objeto e este com suas próprias qualidades independente da concepção do outro, vimos uma relativização da ideia do Belo e da Arte. Após algum tempo, as opiniões e os estudos filosóficos sobre o tema iriam se ampliar. Para os empiristas, por exemplo, a beleza seria algo relativo, e todos os seus julgamentos seriam verdadeiros e dependentes do gosto. Locke (1632-1704) entendia que a beleza só poderia ser definida a partir de quem a contempla e seria relacionada ao prazer, enquanto Hume (1711 – 1776) analisava que o gosto passaria por dois estágios principais: o perceptivo e o afetivo. Ao contrário deles, os racionalistas como Descartes (1596 – 1650) viam a beleza como algo mais padronizado (neoclássico), onde a arte seria uma imitação da natureza representada em abstrato. 

O nascimento de Vênus (enquadrado o rosto) de Sandro Boticcelli (1445 - 1510)

Em 1790, na sua Crítica do juízo, Kant (1724 – 1805) funda a estética moderna. Na sua crítica do julgamento estético (parágrafo 5) ele afirma que: o “gosto é a faculdade de julgar um objeto ou um modo de representação por sua satisfação ou insatisfação inteiramente independentes do interesse. Ao objeto dessa satisfação chama-se belo”. A experiência estética ocorre pela síntese da sensibilidade e da experiência. A fruição estética é portanto um sentimento de gozo que experimentamos na contemplação de uma obra de arte. 

Embora a estética pós-moderna seja caracterizada por uma desconstrução da forma e na impossibilidade de se atingir a verdade artisticamente segundo filósofos como Jacques Derrida (1930 -2004), quando contemplamos algo que acreditamos ser belo, independente de ser caracterizado historicamente como propõe Hegel (1770 – 1831), sendo subjetivo ou objetivo, o sentimento de prazer ou entusiasmo é ainda assim o que sentimos sempre. O famoso quadro Guernica de Picasso não é bonito, mas não deveria ser. Seu objetivo não era esse, todavia nos move para olhar para além de nós mesmos e enxergar o sofrimento do outro. Será que isso não seria algo belo? A discussão permanece. 

Guernica (1937) de Pablo Picasso 


[1] Disponível em: https://musicaeadoracao.com.br/20236/sobre-musica-na-igreja/. Acesso em 28 abr. 2022.  

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