Pular para o conteúdo principal

A Mumificação no Egito Antigo segundo Heródoto

Múmia Egípcia em um tomógrafo na Itália[1]

Heródoto, geógrafo e historiador grego, nascido no século V a.C. em Halicarnasso, descreveu e narrou em seu livro “Ἰστορἴαι” (Histórias) diversos fatos que têm como pano de fundo as Guerras Médicas travadas entre as poleis da Grécia e o Império Aquemênida. No seu segundo livro, denominado pelo nome Euterpe (uma das nove musas da mitologia grega), Heródoto nos conta um pouco sobre como era o processo de mumificação no Egito Antigo, consistindo na lavagem, limpeza, unção e bandagem do corpo. Havia pessoas encarregadas por lei para realizar embalsamamentos e que faziam disso profissão. Após a morte de um ente querido e/ou um cidadão conceituado, a família, tanto os homens como as mulheres andavam pelas ruas batendo em seus peitos lamentando a morte dele. Após isso, levavam o corpo para o embalsamamento. Assim, os professionais mostravam modelos de mortos em madeira, pintados ao natural para a família escolher. Acertado o preço, os parentes retiravam-se e começava o ritual.  

Os embalsamadores geralmente trabalhavam em suas próprias casas, e procediam da seguinte forma com os embalsamamentos mais caros: extraíam o cérebro pelas narinas com um ferro recurvo e por meio de drogas introduzidas na cabeça. Depois faziam uma incisão no flanco com uma pedra cortante da Etiópia e retiravam, pela abertura, os intestinos, limpando-os cuidadosamente e banhando-os com vinho de palmeira e óleos aromáticos. A partir daí, enchiam o ventre com mirra pura moída, canela e com várias essências. Feito isso, salgavam o corpo e cobriam-no com natrão, deixando-o assim durante setenta dias. Decorrido este tempo, lavavam o corpo e envolviam-no inteiramente com faixas de tela de algodão (ou de linho) embebidas em commi[2]. Essa secagem com natrão, que é um mineral constituído de carbonato de sódio hidratado (Na2CO3.10H2O), aparece, por exemplo, no Lago Natron, ao norte da Tanzânia. É interessante notar que esse lago, por ser extremamente alcalino, petrifica os animais que, por algum motivo, entrem nele, incrustando-os nos sais (excetuando os flamingos-pequenos e as tilápias), semelhantemente o que ocorria no Egito Antigo nos processos de embalsamamento. Pesquisadores supunham que o sal era usado para desidratar o cadáver, mas cientistas da Universidade de York têm outra teoria: o corpo seria imerso em uma solução de natrão antes de ser desidratado. Após testarem a ideia no corpo de um ex-taxista inglês com sua autorização antes de morrer, especialistas em decomposição humana ficaram impressionados com a preservação do corpo. 

A questão dos setenta dias pode estar relacionada ao comportamento da estrela Sirius que por setenta dias desaparece do céu egípcio. Ao retornar, ela indica o início de um ano novo, o que coincidia com a cheia do Nilo, representando a renovação da vida. Findo o trabalho, o corpo era entregue aos parentes, que o encerravam numa urna de madeira feita sob medida, colocando-a na sala destinada a esse fim. 

Entretanto existia mais duas maneiras de se fazer este processo. A primeira era feita através do uso de injeções no ventre do morto, sem fazer nenhuma incisão e sem retirar os intestinos, utilizando seringas com um licor untuoso tirado do cedro. Após isso, introduziam-nas igualmente pelo orifício posterior e arrolhavam-no, para impedir que o líquido saísse. Em seguida, salgavam o corpo, deixando-o assim durante determinado prazo. Então faziam escorrer do ventre o licor injetado. Esse líquido era tão forte que dissolvia as entranhas, arrastando-as consigo ao sair. Terminada a operação, entregavam-no aos parentes. O outro tipo, todavia, destinava-se aos mais pobres. Injetava-se no corpo o licor denominado por surmaia, envolviam o cadáver no natro durante setenta dias e depois devolviam-no aos parentes.

Quando se tratava do corpo de uma mulher, principalmente se fosse bonita ou de destaque, o processo era diferente, para que não houvesse violação do corpo. O cadáver, portanto, só era levado para embalsamamento decorridos três ou quatro dias após o seu falecimento.
Pomba calcificada no Lago Natron [3]     


Referências

COELHO, Penélope. Lago Natron: as misteriosas múmias petrificadas da Tanzânia. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/lago-natron-mumias-tanzania.phtml. Publicado em 06 de jun. 2020. Acesso em: 19 de out. 2021.

HERÓDOTO. História: Euterpe (Livro 2), eBooksBrasil, 2006

REDAÇÃO, Da. Cientistas recriam antiga técnica de mumificação egípcia em ex-taxista inglês. Disponível em: https://veja.abril.com.br/ciencia/cientistas-recriam-antiga-tecnica-de-mumificacao-egipcia-em-ex-taxista-ingles/. Atualizado em o6 mai. 2016. Publicado em 18 out 2011. Acesso em: 19 de out. 2021.



[1] Imagem disponível em: https://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2021/06/hospital-da-italia-usa-tomografo-para-descobrir-segredos-de-mumia-egipcia.shtml. Acesso em 19 out. 2021.

[2] Goma arábica extraída da acácia, árvore muito comum no Alto Egito.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boas e Malinowski: Difusionismo e Funcionalismo

No final do século XIX e no início do século XX, vimos uma ebulição de diferentes teorias antropológicas. Uns queriam, como Durkheim, sistematizar a etnologia que já vinha sendo feita nos últimos anos, e outros queriam consolidar a etnografia na base da Antropologia. A Etnografia seria nada mais do que o trabalho de campo, a imersão do pesquisador na sociedade estudada. Já a Etnologia seria a síntese do estudado através de conclusões tiradas por relatos de viajantes, missionários e exploradores. Mais tarde, Lévi-Strauss vai dizer que esta é a segunda etapa do trabalho antropológico, feita com base nos relatos do próprio antropólogo e não nos de outrem. Em meio a esse turbilhão de ideias, surge dois pensamentos opostos ao determinismo adotado inicialmente e as posteriores ideias evolucionistas, o difusionismo e o funcionalismo, representados, principalmente e respectivamente, por Boas e Malinowski.   Franz Uri Boas (1858 – 1942), antropólogo e geógrafo teuto-americano, chamado ...

Síntese do livro Apologia da História ou O Ofício do Historiador - Marc Bloch

O livro Apologia da História ou o Ofício do Historiador foi feito durante a prisão do autor Marc Léopold Benjamim Bloch (1886 – 1944), portanto, sem uma vasta biblioteca para consultas e caracterizando a forma inacabada do livro, devido a morte do autor. Isso nos explica muitas coisas para uma total compreensão do livro. Marc Bloch, como é conhecido, foi um importante medievalista francês, fundador da Escola dos Annales em 1929, a qual tinha como proposta trazer novas perspectivas para o estudo da História e mudar sistematicamente a forma que a vemos, procurando criar uma Nova História. Bloch lutou na Primeira e Segunda Guerra Mundial e morreu fuzilado pela Gestapo por sua participação na Resistência de Lyon contra a invasão nazista na França. Seu livro pode ser considerado como um testamento de um historiador. A diferença do conteúdo da História no decorrer do tempo  O estudo histórico mudou muito de conteúdo e foco no decorrer do tempo, sendo característico de sua época e das i...

Os Povos do Mar e o Colapso da Idade do Bronze

Os Povos do mar é uma denominação recente aplicada por Emmanuel de Rougé1e por Gaston de Maspero2, sobre um grupo de povos diferentes que parecem ter efetuado um movimento migratório/invasor na direção oeste-leste na costa sul da Anatólia e, depois, infletido de norte para sul, chegando a atacar o Egito, mas sendo derrotados duas vezes, após sucessivas vitórias ao longo da costa cananeia. As fontes egípcias datadas do século XII e XIII a.C afirmam que esses povos eram provenientes das “ilhas que estão no meio do Grande Verde”.3 Esse “Grande Verde” é entendido comumente pelos hebreus e semitas como sendo o Mar Mediterrâneo, provavelmente se extendendo até o Mar Egeu. Porém, devido a pouca documentação e carência de informação, essa proposição tem sido refutada por Alessandra e por Claude Vandersleyen.4 Todavia, no extrato tirado da inscrição do 8° ano de Ramsés III, cerca de 1190 a.C, é citado alguns dos nomes que formavam essa “confederação”: Filisteus, Tjeker, Shekelesh, Denyen e Wesh...