Raimundo
Nina Rodrigues nasceu no dia 4 de dezembro de 1862, em Vargem Grande, no
Maranhão, e morreu no dia 17 de julho de 1906, em Paris, na França. Foi um
médico legista, professor, psiquiatra, escritor e o primeiro antropólogo
brasileiro. De acordo com Thomas Skidmore no seu livro Black into white, Rodrigues foi o mais “prestigiado
doutrinador racista brasileiro de sua época” (2012, p.103). Era um estudioso (e entusiasta) da
desigualdade racial. Tentava convencer as pessoas de sua época sobre a inferioridade
dos não-arianos no Brasil, atuando ativamente na abolição da escravidão,
colocando o negro como um “objeto da ciência”. O antropólogo acreditava que a
mestiçagem poderia levar à degradação física, moral e psíquica da população.
Mas com base em que, ele afirmava isso? Rodrigues foi um dos expoentes das
teorias deterministas no Brasil. É sobre isso que abordarei a seguir.
De acordo com Roque Laraia, em seu livro Cultura: um conceito antropológico, o determinismo biológico é um conjunto de “velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades específicas inatas a 'raças' ou a outros grupos humanos” pelo fato genético e biológico. Porém, segundo Felix Keesing, "não existe correlação significativa entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos culturais” (2001, p. 17). Como consequência desastrosa dessa teoria, tivemos o racismo contra o negro, contra os nativos ameríndios e o antissemitismo bastante explorado na Segunda Guerra Mundial.
Já o determinismo geográfico “considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural” (Laraia, 2001). São explicações existentes desde a Antiguidade para as diferentes formas de atitudes dos homens de acordo com sua localidade. Fatores como o clima, por exemplo, explicavam psicologicamente os povos. Jean Bodin, filósofo francês do século XVI, diz que “os nórdicos são fiéis, leais aos governantes, cruéis e pouco interessados sexualmente; enquanto os do sul são maliciosos, engenhosos, abertos, orientados para as ciências, mas mal adaptados para as atividades políticas.” Embora seja errado pensar que a geografia determine algo, pois na verdade o que difere realmente cada povo é sua cultura, essas teorias foram bastante desenvolvidas nos últimos dois séculos, todavia, podem ser refutadas pelo simples aspecto de que pessoas que vivem na mesma região podem ter atitudes completamente diferentes. Pois, afinal, de acordo com Montaigne, “cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra.” Ainda sim, cabe destacar que isso não significa que o clima, a localidade ou a herança genética não sejam fatores influentes na nossa composição, mas que eles são exatamente isso: "influentes" e não deterministas. A própria cultura se ancora nesses aspectos, porém, possui uma forma própria de ser.
No pensamento de Rodrigues, o determinismo biológico pode ser visto de forma clara. Apesar disso, é interessante destacar o que o médico pensava sobre a escravidão, no seu livro Os africanos no Brasil: “o critério científico da inferioridade da raça negra” nada tem em comum com a “exploração revoltante” a que foram submetidos. Para ele, esta inferioridade, assim como o próprio cativeiro, nada mais é do que “um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões ou seções” (2010, p. 12). Sua teoria é muito apoiada em um evolucionismo-social, baseando-se, principalmente, nas obras de Edward B.Tylor (1832-1917), Lewis H.Morgan (1818-1881) e James G.Frazer (1854-1941), muito conhecidos pelo conteúdo evolucionista de suas obras "antropológicas", também entendidas como pertencentes a uma “antropologia cultural” na época ( para saber mais sobre esses 3 autores use o link a seguir: https://diariodeumfuturohistoriador.blogspot.com/2021/11/os-pais-da-antropologia.html ). Para Rodrigues, acompanhando os antropólogos de seu tempo, os negros estão em uma fase primitiva ainda da evolução. Eles ainda não “evoluíram” para um estágio civilizatório. Por isso, na sua visão racista, tê-los como cidadãos plenos no Brasil provocaria um desastre nacional, já que “seriam inferiores biologicamente e, portanto, incapazes de se conduzirem como cidadãos em seus plenos direitos” (MAIO, 1995, p. 232). Todavia, ele via que as “leis da evolução psicológica são fundamentalmente as mesmas em todas as raças” (RODRIGUES, 2006b, p. 109).
Para concluir, seria injusto com o fundador da antropologia no Brasil só falar dos aspectos negativos e revoltantes de sua obra. É importante destacar, que, enquanto médico, ele foi importantíssimo e ativo nas questões de higiene, no combate a epidemias, na assistência médico-legal a doentes mentais, e embora, reprovável em muitos aspectos na sua antropologia, “os dados etnográficos reunidos por Nina Rodrigues contradizem a teoria do determinismo biológico”, mesmo ele nunca tendo admitido isso. Haja vista que, quando analisa a sociedade dos Canudos e o seu líder, Antônio Conselheiro, o descreve como um louco, entretanto, após avaliar o seu crânio na sua função de médico legista, diz que é de uma pessoa “normal”.
Rodrigues esboçou em seus
trabalhos “um retrato fiel do momento de tensão, transição e inquietude por
qual passavam intelectuais de sua geração.” Embora não seja algo muito
explorado pelo teórico, e indo ao contrário de tudo o que tinha aprendido e
afirmado muitas vezes, Rodrigues deixa claro que as identidades sociais não
eram fixas como se pensava e que, assim, elas poderiam domesticar “realidades
biológicas e até tradições” (RODRIGUES, 1894, p. 101), deixando então uma linha
teórica em seus trabalho que seria a fagulha de uma antropologia brasileira que
viria ainda a se consolidar.
Referências
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2014
MONTEIRO, Felipe Pinto. O “racialista vacilante”: Nina Rodrigues e seus estudos sobre antropologia cultural e psicologia das multidões (1880-1906). Revista Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 21, n. 43, p. 193-215, jan./abr. 2020.
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